“Não foi assim tão mau.” É o que o vento sopra por aí. “Não morreu assim tanta gente”, ou “os hospitais até se aguentaram”. Estas frases são extremamente perigosas. O Serviço Nacional de Saúde “segurou” esta primeira vaga à custa de muito sangue, suor e lágrimas. Esta primeira vaga em Portugal foi sem dúvida menos má do que à nossa volta. “Menos má” é ainda assim um eufemismo, porque as pessoas foram trabalhar com medo e com vontade de chorar, os profissionais de saúde separaram-se das suas famílias, alguns até dos seus filhos. E mais do que nunca encontraram a exaustão física e psicológica e muitos estiveram com o pé mesmo em cima da linha do burnout.
Em muitos hospitais os Cuidados Intensivos duplicaram ou triplicaram a sua capacidade. Portanto é falso e perigoso que se diga que os Cuidados Intensivos não transbordaram. O que é mais perigoso é não perceber que mais camas, ventiladores e outras máquinas podem-se arranjar, mas não há pessoas para tratar estes doentes. É muito específico e exigente trabalhar na Medicina Intensiva. Tivemos que adaptar à força e à pressa médicos, enfermeiros e auxiliares. Foram uma ajuda voluntariosa e extremamente valiosa, mas é uma adaptação! Se eu tiver que guiar um Fórmula 1 e alguém me explicar onde estão as mudanças e me for dando umas dicas por auriculares e eu guiar devagarinho, talvez consiga dar umas voltas. Mas se ficar sem orientações e tiver que guiar mais rápido, certamente que me vou matar. É perigoso não perceberem à custa de quê o SNS aguentou o primeiro impacto. Lá porque temos bombeiros, os fogos não deixam de ser uma catástrofe, é assim que têm que pensar.
Mais do que nunca, precisamos de valorizar a ciência. Pois é o único saber que nos une a todos. Mas a boa ciência precisa de tempo, o que faz com que neste momento seja muito frágil, pensar que o país A se portou melhor que o país B… só o tempo o dirá. Dizer que a Coreia do Sul é um exemplo de sucesso quando as pessoas quase não saem de casa, ou que o Suecos estão pior que Portugal, tem a fragilidade de se tirar uma fotografia e se achar que se percebeu o filme. Isto ainda está no início. Parece-me também perigoso a pseudo-ciência que tem sido feita nas redes sociais e media, por trituradores de números que os mastigam ao seu sabor. A ciência faz-se de uma forma colegial e nunca por um único indivíduo sem contraditório. E na minha opinião é uma cobardia o linchamento público à Dra Marta Temido e à Dra Graça Freitas, que dão a cara pelas decisões que ninguém queria ter de tomar, e que são uma mistura de opiniões cientificas/técnicas dinâmicas e frágeis, com todas as outras áreas de gestão de um país, sabendo que a primeira vaga ter sido “menos má” é um sabor agridoce pela escassez de imunizados para a grande segunda vaga que há de vir, e num momento em que já há muita gente sem emprego e à fome. E também por isso o mundo tem que voltar a girar.
Começamos a perceber o impacto das nossas decisões no mundo. Já se anunciou a interrupção de campanhas de vacinação de várias doenças altamente mortíferas, com o medo da Covid-19. Programas anti-malária em stand-by estimam que vão morrer o dobro das crianças por este parasita, e a fome matará muitas mais. Tudo consequências do “sucesso” do lockdown e do “não foi assim tão mau!”.
Perceber o equilíbrio entre uma doença gravíssima que ainda vai matar muita gente ao nosso lado, as consequências devastadoras da economia na vida das pessoas, e olhar para o mundo à nossa volta com a humanidade que nos une, é um exercício que precisa de muita humildade, carácter e competência.
Mais do que nunca: Ciência, Verdade, e globalização da Humanidade.
E????? O que se pode fazer???? Desta maneira quase que me faz perder fé e esperança.
Obrigada