Siria

É aqui que começa a história das civilizações, na Mesopotâmia. E por isso as suas principais cidades com mais de 3000 anos contam a história da humanidade e do percurso das religiões judaica, cristã e muçulmana.

Fez parte do Império Otomano e quando este perdeu a primeira guerra mundial, o Médio-Oriente foi dividido a belo prazer entre a França e o Reino Unido. Sendo que a Síria calhou aos franceses.

Após se libertarem da influência dos europeus, sofreu grandes lutas pelo poder até se tornar num estado independente, o que aconteceu logo após a segunda grande guerra.

Período de politicas turbulentas e à semelhança de todos os estados árabes da região, vários conflitos com Israel, levaram a instáveis alternâncias de poder até à chegada de Hafez Al-Asad (1970). Um ditador que tomou o poder à força e sempre abafou toda a resistência interna com crueldade, tendo ficado na história pelo massacre de Hama onde ordenou o seu exército a matar dezenas de milhares de civis apenas porque levantaram a voz em tom de protesto.

A sua morte no ano 2000 levou ao poder o seu filho médico, Bashar Al-Asad. Houve esperança de renovação, mas não durou muito. Bashar deu continuidade ao regime ditatorial, repressor e sanguinário do seu pai.

Importa dizer que a família Asad é xiita e estes 13% da população sempre dominaram os quadros do poder, contra uma maioria de 75% de sunitas. A completar o quadro das religiões há ainda uma fatia de 10% de cristãos.

Embalados pelas diferentes revoltas populares da Primavera Árabe, o povo sírio sunita em 2011 sai à rua em protesto contra o poder instituído, exigindo liberdade e democracia. A resposta do presidente Bashar foi brutal ao não hesitar matar todos que a ele se opusessem.

A guerra civil instala-se em todo o território dividindo essencialmente os sunitas de todos os outros protegidos pelo regime. Os curdos aproveitam para tentar ganhar controlo sobre os territórios onde habitam.

Há uma grande quantidade de dissidentes do exército sírio que formam o exército libertador do Síria (Free Syrian Army).

Diferentes interesses internacionais tentam influenciar o resultado do conflito. A apoiar o regime sírio declaradamente temos o Irão e o Hezbollah por quererem que os regimes xiitas dominem a região, e os russos porque têm interesse em manter os seus únicos portos no mediterrâneo. A apoiar os revolucionários temos os países árabes sunitas: Arábia Saudita e EAU assim como o ocidente e a Turquia por outros interesses.

Há vários grupos extremistas que pela sua natureza sunita abraçam a causa do lado da oposição, como a Alqaeda, e mais tarde vindos do Iraque em 2013, o Estado Islâmico. Estes grupos têm agendas muito diferentes daquela que deu origem à revolução e por isso dentro da oposição há inúmeros confrontos.

Catástrofe humanitária sem precedentes pelo número de mortos que ronda os 500.000 e pelo êxodo de refugiados que ultrapassa os 5 milhões mais ainda cerca de 9 milhões de deslocados internos.

A carga emotiva é tão grande que parece que as ditas vivencias da Síria nunca foram suficientemente processadas… Mas chegou a hora de enfrentar o touro pelos cornos, e começar a deitar cá para fora, como sempre sem saber muito o que dai virá…

(…)

Por vezes bloqueio… a falta de tempo é claro a principal culpada, mas há uma mistura de incapacidade de encontrar o momento certo, a inspiração certa, para mergulhar bem fundo em memórias que sei que estão lá, que são muito fortes, e que gostava que nunca desaparecessem… pois fazem parte do melhor de mim…

Estou há tanto tempo para escrever sobre a Síria, que fico sempre algo amordaçado, por achar que não estou à altura dos meus pensamentos… E por isso tenho que dizer a mim mesmo, “seja de que maneira for, tem que sair cá para for a J “…. A minha escrita boa ou má exige muito de mim, mas também me ajuda a (re)encontrar o foco quando me parece mais preciso…

(…)

Nunca compreenderei, nem nunca vou deixar de admirar a resiliência de alguns povos. Se acreditar e lutar pela democracia parece algo tão linear, quando nos apontam uma arma a cabeça nunca saberemos até onde tremem as nossas convicções…

(…)

Por vezes antes de começar a escrever uma história peço inspiração divina para ter a capacidade de melhor retratar os seus principais actores e sentimentos. E a melhor forma de perceber o quanto é que eu gostava de ter essa inspiração, vem do facto de ser a pessoa mais ateia que eu conheço… Gostava muito de ter mais ART para ser fiel à realidade que vivenciei, mas acima de tudo de ter mais HEART, par ser um espelho honesto dos sentimentos tão intensos dos que não têm voz, quando são os que mais deveriam ter…

(…)

Várias vezes eramos sobrevoados. E dificilmente imagino situação mais assustadora. Num segundo o pânico domina-nos por completo. O som dos aviões a rasgar os céus transforma o nosso estado de espirito num click… Os primeiros a ouvir estas máquinas de guerra saíam a gritar por todo o hospital: “ MIG, MIG, MIG!!” lançando o alerta para recolher ao bunker… mas bem pior é quando são helicópteros… é muito mais intenso e assustador… o som é ensurdecedor, a percepção de proximidade das nossas cabeças é muito maior, e o tempo que demora parece infinito… São segundos que parecem horas de medo e inquietação. “Será que é em cima de nós que este piloto vai largar o seu terror?”…

(…)

É sempre difícil transmitir uma ideia real, do que é este cenário tão intenso que nos faz sentir que estamos no centro do mundo, onde todas as vivências parecem eternas e todos os momentos têm um potencial descritivo infinito. Estamos a meia dúzia de Kms das linhas da frente, lado a lado com grupos bons e maus de homens bem armados, onde até uma ida ao WC parece ser uma história a contar.

(…)

Penso que o que mais me marcou no conflito Sírio ao conhecê-lo “por dentro”, para além da intensidade e da dureza desta guerra, foi o quanto me identifiquei com a sua gente. Nós achamos que estamos muito longe de que tal nos aconteça, e assim espero… mas só assim será se olharmos “para o lado” com uma preocupação genuína, para que por um lado possamos ajudar quem precisa e não menos importante a aprendizagem contínua para não cairmos nos mesmos erros que levam a uma desgraça humana literalmente imensurável…

(…)

A grande diferença entre ver uma guerra na televisão ou ao vivo e a cores, é que quando estamos lá sentimo-nos parte dela… e sentimo-nos parte deles, da população Síria que sofre, que grita, que sangra, que chora, que não compreende porque lhes aconteceu tamanha desgraça. Estamos lá porque sentimos compaixão pelo seu sofrimento, e quando corremos os mesmos riscos tornamo-nos parte. Nada substitui a nossa vivência pessoal, e esta tem muito que se lhe diga.

(…)

Tudo começa naquele local repleto de magia, o aeroporto… Sinto o romper do cordão umbilical ao passar o controle de segurança… Respiro fundo e estou sozinho… Eu contra o mundo! Gosto dessa sensação de que já não posso olhar para trás… é só para a frente que estão concentrados todos os meus pensamentos, nesta missão que me marcará para todo o sempre… Olho à minha volta e sou apenas mais um, mas dentro de mim sinto uma força, uma energia, uma vontade de vencer inabalável… A cada contacto com desconhecidos, há uma voz dentro de mim que me domina: “Se soubesses para onde eu vou?” …. para onde todos querem sair…

(…)

A Síria tornou-se no palco de Guerra mais sangrento que há memória! Imaginam se fosse o vosso país? Imaginem!! Porque eles também não o imaginavam… A tristeza de ter esta ferida tão sangrante e tão aberta faz também com que venha ao de cima o melhor de muitos seres humanos, e encontramos uma motivação para trabalhar que vai muito para além do humanitário… Não há palavras para descrever a dedicação e entrega dos “lutam” trabalhando arregaçando as mangas, sem armas, salvando vidas pelo seu pais… Trabalhar lado a lado com o povo Sírio foi de longe dos maiores privilégios que tive na minha vida…

(…)

Como eu o vi. Como eu o senti. Como o povo Sírio me O fez ver. Não pretendendo substituir os grandes conhecedores e especialistas destas temáticas, mas há algo que me leva a ter legitimidade de dizer algo construtivo… EU ESTIVE LÁ! E essa vivência pessoal é insubstituível, incomparável… e pretendo que seja sempre construtiva no meu crescimento pessoal, e também sinto que tenho a responsabilidade de a partilhar.

(…)

Quem está no epicentro do conflito, fica a saber mais e a perceber menos… Aquilo que muitos tentam do alto de grande sabedoria, explicar ao povo ignorante é sempre insuficiente, falso, incompleto, desactualizado ou apenas de visão curta… Mas claro, tem que haver análises e leituras macro, ainda que falíveis, são necessárias… Bons e maus há dos dois lados, e como tal tomar a parte pelo todo é sempre um erro colossal! Mas há pessoas que transpiram maldade, crueldade e ganância… e assim numa memória fugaz são quase sempre esses que andam a brincar aos rótulos de “terrorista” ou “terrorismo”…

(…)

(continuando)

O lema que me domina é fazer o melhor com o que está ao meu alcance… Ainda que a complexidade e a dimensão do conflito da Síria, ultrapassem os piores dos horrores a cada dia… A nossa função não é política…é humanística. Não vamos à procura dos “porquês”, vamos salvar vidas…

(…)

A minha missão na Síria pressupunha que o meu Natal se passasse no meio da guerra, longe do meu mundo. Saber que não iria passar o Natal com os meus não me fez hesitar, tal era a minha motivação para vir, mas com a aproximação do dia comecei a ficar bastante saudoso. Há muito que não celebro o nascimento de Jesus Cristo, porque sou ateu, mas ainda assim adoro o Natal e o que ele simboliza para mim.

(…)

Estranhamente depois de já ter estado em muitas guerras, o sítio em que tive mais medo foi no Porto. A primeira razão reside no facto de que a projecção das missões nos locais mais complicados leva-nos a sofrer por antecipação aquilo que depois vivido assume uma dimensão completamente diferente, para melhor.

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A carga emotiva é tão grande que parece que as ditas vivencias da Síria nunca foram suficientemente processadas… Mas chegou a hora de enfrentar o touro pelos cornos, e começar a deitar cá para fora, como sempre sem saber muito o que dai virá…

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Tudo começa naquele local repleto de magia, o aeroporto… Sinto o romper do cordão umbilical ao passar o controle de segurança… Respiro fundo e estou sozinho… Eu contra o mundo! Gosto dessa sensação de que já não posso olhar para trás… é só para a frente que estão concentrados todos os meus pensamentos, nesta missão que me marcará para todo o sempre… Olho à minha volta e sou apenas mais um, mas dentro de mim sinto uma força, uma energia, uma vontade de vencer inabalável… A cada contacto com desconhecidos, há uma voz dentro de mim que me domina: “Se soubesses para onde eu vou?” …. para onde todos querem sair…

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Por vezes bloqueio… a falta de tempo é claro a principal culpada, mas há uma mistura de incapacidade de encontrar o momento certo, a inspiração certa, para mergulhar bem fundo em memórias que sei que estão lá, que são muito fortes, e que gostava que nunca desaparecessem… pois fazem parte do melhor de mim…

Estou há tanto tempo para escrever sobre a Síria, que fico sempre algo amordaçado, por achar que não estou à altura dos meus pensamentos… E por isso tenho que dizer a mim mesmo, “seja de que maneira for, tem que sair cá para for a J “…. A minha escrita boa ou má exige muito de mim, mas também me ajuda a (re)encontrar o foco quando me parece mais preciso…

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A Síria tornou-se no palco de Guerra mais sangrento que há memória! Imaginam se fosse o vosso país? Imaginem!! Porque eles também não o imaginavam… A tristeza de ter esta ferida tão sangrante e tão aberta faz também com que venha ao de cima o melhor de muitos seres humanos, e encontramos uma motivação para trabalhar que vai muito para além do humanitário… Não há palavras para descrever a dedicação e entrega dos “lutam” trabalhando arregaçando as mangas, sem armas, salvando vidas pelo seu pais… Trabalhar lado a lado com o povo Sírio foi de longe dos maiores privilégios que tive na minha vida…

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Nunca compreenderei, nem nunca vou deixar de admirar a resiliência de alguns povos. Se acreditar e lutar pela democracia parece algo tão linear, quando nos apontam uma arma a cabeça nunca saberemos até onde tremem as nossas convicções…

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Como eu o vi. Como eu o senti. Como o povo Sírio me O fez ver. Não pretendendo substituir os grandes conhecedores e especialistas destas temáticas, mas há algo que me leva a ter legitimidade de dizer algo construtivo… EU ESTIVE LÁ! E essa vivência pessoal é insubstituível, incomparável… e pretendo que seja sempre construtiva no meu crescimento pessoal, e também sinto que tenho a responsabilidade de a partilhar.

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Por vezes antes de começar a escrever uma história peço inspiração divina para ter a capacidade de melhor retratar os seus principais actores e sentimentos. E a melhor forma de perceber o quanto é que eu gostava de ter essa inspiração, vem do facto de ser a pessoa mais ateia que eu conheço… Gostava muito de ter mais ART para ser fiel à realidade que vivenciei, mas acima de tudo de ter mais HEART, par ser um espelho honesto dos sentimentos tão intensos dos que não têm voz, quando são os que mais deveriam ter…

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Quem está no epicentro do conflito, fica a saber mais e a perceber menos… Aquilo que muitos tentam do alto de grande sabedoria, explicar ao povo ignorante é sempre insuficiente, falso, incompleto, desactualizado ou apenas de visão curta… Mas claro, tem que haver análises e leituras macro, ainda que falíveis, são necessárias… Bons e maus há dos dois lados, e como tal tomar a parte pelo todo é sempre um erro colossal! Mas há pessoas que transpiram maldade, crueldade e ganância… e assim numa memória fugaz são quase sempre esses que andam a brincar aos rótulos de “terrorista” ou “terrorismo”…

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Várias vezes eramos sobrevoados. E dificilmente imagino situação mais assustadora. Num segundo o pânico domina-nos por completo. O som dos aviões a rasgar os céus transforma o nosso estado de espirito num click… Os primeiros a ouvir estas máquinas de guerra saíam a gritar por todo o hospital: “ MIG, MIG, MIG!!” lançando o alerta para recolher ao bunker… mas bem pior é quando são helicópteros… é muito mais intenso e assustador… o som é ensurdecedor, a percepção de proximidade das nossas cabeças é muito maior, e o tempo que demora parece infinito… São segundos que parecem horas de medo e inquietação. “Será que é em cima de nós que este piloto vai largar o seu terror?”…

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(continuando)

O lema que me domina é fazer o melhor com o que está ao meu alcance… Ainda que a complexidade e a dimensão do conflito da Síria, ultrapassem os piores dos horrores a cada dia… A nossa função não é política…é humanística. Não vamos à procura dos “porquês”, vamos salvar vidas…

(…)

É sempre difícil transmitir uma ideia real, do que é este cenário tão intenso que nos faz sentir que estamos no centro do mundo, onde todas as vivências parecem eternas e todos os momentos têm um potencial descritivo infinito. Estamos a meia dúzia de Kms das linhas da frente, lado a lado com grupos bons e maus de homens bem armados, onde até uma ida ao WC parece ser uma história a contar.

(…)

A minha missão na Síria pressupunha que o meu Natal se passasse no meio da guerra, longe do meu mundo. Saber que não iria passar o Natal com os meus não me fez hesitar, tal era a minha motivação para vir, mas com a aproximação do dia comecei a ficar bastante saudoso. Há muito que não celebro o nascimento de Jesus Cristo, porque sou ateu, mas ainda assim adoro o Natal e o que ele simboliza para mim.

(…)

Penso que o que mais me marcou no conflito Sírio ao conhecê-lo “por dentro”, para além da intensidade e da dureza desta guerra, foi o quanto me identifiquei com a sua gente. Nós achamos que estamos muito longe de que tal nos aconteça, e assim espero… mas só assim será se olharmos “para o lado” com uma preocupação genuína, para que por um lado possamos ajudar quem precisa e não menos importante a aprendizagem contínua para não cairmos nos mesmos erros que levam a uma desgraça humana literalmente imensurável…

(…)

Estranhamente depois de já ter estado em muitas guerras, o sítio em que tive mais medo foi no Porto. A primeira razão reside no facto de que a projecção das missões nos locais mais complicados leva-nos a sofrer por antecipação aquilo que depois vivido assume uma dimensão completamente diferente, para melhor.

(…)

A grande diferença entre ver uma guerra na televisão ou ao vivo e a cores, é que quando estamos lá sentimo-nos parte dela… e sentimo-nos parte deles, da população Síria que sofre, que grita, que sangra, que chora, que não compreende porque lhes aconteceu tamanha desgraça. Estamos lá porque sentimos compaixão pelo seu sofrimento, e quando corremos os mesmos riscos tornamo-nos parte. Nada substitui a nossa vivência pessoal, e esta tem muito que se lhe diga.

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