Republica Centro-Africana

Colónia francesa desde meados do século XIX torna-se independente em 1960, à semelhança de muitos outros países africanos.Através de um golpe de estado Bokassa chega ao poder em 1965 com uma visão megalómana ao ponto que se auto-intitula imperador do agora Império Centro-Africano, numa cerimónia que chocou o mundo pela sua luxúria, contrastando com a miséria do povo. Há quem diga que este Imperador era canibal.

Bokassa sai do poder em 1979 também por um golpe de estado. E assim se vai contando a história, entre golpes de estado e influências politico-militares dos vizinhos e dos franceses a balançar o poder, para um lado ou para o outro.Os confrontos entre diferentes grupos que ambicionam poder, fez desenrolar a “Guerra do Mato” (Bush War) que decorre entre 2004 e 2007, mas com réplicas e reminiscências do conflito a durar até 2012.Em finais de 2012 tudo mudou. Há uma junção de diferentes grupos muçulmanos (que são 15% da população), que com o apoio do Chade, forma um grupo chamado Séléka (que em Sango significa “união”). Oriundos essencialmente do Nordeste do país rapidamente controlam todas as cidades por onde vão passando até que com relativa facilidade entram em Bangui para assumir o poder em Março de 2013.No poder e bem armados, cometem atrocidades contra a população civil nomeadamente os cristãos, em parte por terem um histórico de discriminação no país.Por “avisos” de genocídio a França entra em cena com as suas tropas para mudar o jogo de poder, apontando para a democracia neste estado totalmente em colapso.As milícias que vinham a ser criadas em oposição ao Séléka são os Anti-Balaka (“anti-machete”) que ganham muita força com a opressão dos Séléka, e perseguem e massacram todo a comunidade muçulmana até hoje.A religião é instrumentalizada na luta pelo poder num conflito terrível e anárquico em todo o território, num país onde com muita ajuda internacional e a maior força de paz das Nações Unidas (13.000 soldados) não conseguem controlar muito mais do que a capital.Violência sexual, crianças-soldado, aldeias inteiras a arder são realidades frequentes neste país. Durante vários anos viveu na RCA o maior terrorista de África, Joseph Kony vindo do Uganda, hoje é dado como morto embora o seu grupo LRA continue a cometer crimes hediondos.
É um país extremamente pobre e sub-desenvolvido apesar de grande riqueza no sub-solo: urânio, ouro, petróleo, cobalto, diamantes, etc… Tem o PIB per capita mais baixo do mundo e é também o último país no raking no nível de desenvolvimento humano.
Pela positiva é o país do mundo com menos poluição luminosa e tem uma fauna e uma flora de uma beleza indiscritível com grandes regiões de floresta.

A missão na Síria deixou uma marca profunda em mim. Nunca desisti, mas obriguei-me a pensar bem no que tenho estado a fazer no mal que faço aos meus, e nos duros abanões que a minha sanidade mental vai levando… Porque isto de andar entre mundos, tem que se lhe diga. Ancorei-me no meu Porto o melhor e mais fundo que consegui… Investi tudo na casa dos meus sonhos por ser a casa da minha querida avó, comecei um negócio para espreitar outros mundos fora da medicina ligados ao desporto, e perfilhei dois cães… Mais acorrentado era impossível. Mas não chegou, a vontade de continuar a voar era maior…

(…)

Faltam-me conhecer algumas das capitais mais problemáticas do mundo, assim de repente estou a pensar em Juba e Mogadishu, mas arrisco-me a dizer que Bangui é a capital mais pobre, e mais subdesenvolvida do mundo no que à medicina diz respeito, quer em termos de infraestruturas, quer em termos de recursos humanos. Não há nada! O que faz com que as ONGs sejam praticamente as únicas estruturas de saúde em funcionamento com alguma qualidade e gratuitidade…

(…)

Todos as guerras têm uma coisa em comum: Quanto mais sabemos, menos compreendemos. E ao tentarmos compreender tudo em binómios vamos ter sempre a compreensão muito curta. Em comum tem também a alteração da normalidade e das expectativas… Quando se vive em altíssimos níveis de violência, esta passa a ser uma forma de vida… passa a ser normal, pois ter sentido crítico é algo que não interessa a nenhum senhor da guerra…

(…)

Eu gostava que compreendessem a dimensão do problema. Eu gostava que tivessem a noção da dimensão da desigualdade, da profundidade das carências… Comparassem aquilo que sabem do mundo, o que sabem da pobreza, o que sabem do sofrimento humano, com a visão que vos vou transmitir.

(…)

Chego ao fim de um dia bem longo. Depois de mais um dia calor intenso, em que já nem sei quantos litros de suor transpirei, sabe bem quando a temperatura começa a amenizar… Na lista da jornada mais uma infinidade de cesarianas, parturientes, crianças a chorar e por aí fora… É dia de reunião de toda a delegação dos Médicos Sem Fronteiras em Bangui.

(…)

O aborto a meu ver é algo de difícil avaliação ética e moral. Eu sou a favor de todo o tipo de liberdades individuais até ao momento em que interferem com a liberdade de outro(s). E do ponto de vista científico tenho muita dificuldade em definir o momento em que duas células ao se juntarem são consideradas uma vida. E por isso resolvo este dilema interior numa teoria de mal menor.

(…)

Por vezes tenho dias muito maus. Há dias que bate uma saudade tão forte, tão forte que só me apetece chorar até desidratar. Saudades de casa, saudades da família, saudades dos amigos, saudades do meu Porto, saudades do amor perdido, saudades dos meus cães, saudades que asfixiam porque a distância vai muito para além dos quilómetros que nos distanciam…

(…)

Depois de já ter viajado por muitos países em África tenho a opinião convicta de que as capitais são feias e o resto é lindo. Todos os grandes centros urbanos dificilmente aparecem nos cartões postais. São poluídas, confusas, desprovidas de qualquer beleza arquitectónica e mesmo sendo ao pé do mar ou de um rio, nem aí nos deixam contemplar a natureza de forma alguma. As pessoas acompanham a “vibe” da cidade: stressadas, egoístas, sem alma e sem brilho, gananciosas e com vontade de crescer… assim como a cidade.

(…)

Estava em Bangui há cerca de uma semana, ainda era tudo fresco e novidade para mim, quando todos recebemos a convocatória para as celebrações do Dia Internacional da Mulher, na sede dos Médicos Sem Fronteiras (MSF). Em primeira análise até me pareceu ridículo, que me tirassem uma tarde de trabalho para assistir não sei bem a quê. Meio contrariado, mas de cara alegre lá fui, mais que não seja pelo espírito de equipa que é fundamental…

(…)

A maternidade de Bangui era muito agitada. Partos e mais partos, crianças por todo o lado, e uma equipa de profissionais fantástica que estava à altura do enorme desafio a que nos propunhamos. Salvar as mães e se possível os bebés também. Eu passava o dia no meio de cesarianas, na formação contínua dos enfermeiros de Anestesia centro-africanos, na gestão clínica dos casos mais complicados e ainda preparava formações sobre os temas que me pareciam mais pertinentes dentro da minah área de conhecimentos, claro está.

(…)

Acho que é preciso uma certa coragem para escrever esta história, da mesma forma que será necessário alguma coragem para a ler. Isto é apenas uma história de muitas, do dia-a-dia de uma África que poucos imaginam que exista. É não é de um passado longínquo… é de ontem, de hoje, e infelizmente de amanhã…

(…)

Fui para casa a digerir aquela granada. Explodiu com muita gente e explodiu com as minhas emoções num fim de tarde de uma intensidade sem igual… E perdido nos meus pensamentos dominavam-me os olhares assustados daquelas senhoras, que mereciam todo o meu empenho, todo o meu esforço para lhes deixar alguns dos meus saberes…

(…)

A experiência africana é um mundo de descobertas e surpresas. E este coração africano que é a Rep. Centro-Africana simboliza bem o espectro de magia e aventuras com que nos deparamos. Soa a cliché, mas tudo é diferente. A cor da terra alaranjada, o céu límpido que nos desenha pores-do-sol de cores inimagináveis, os tons de verde, o sabor da fruta, a intensidade das tempestades… É uma experiência a 360º de cores, cheiros e sabores que nos fazem levitar em sensações completamente virgens, quase todas elas maravilhosas…

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A missão na Síria deixou uma marca profunda em mim. Nunca desisti, mas obriguei-me a pensar bem no que tenho estado a fazer no mal que faço aos meus, e nos duros abanões que a minha sanidade mental vai levando… Porque isto de andar entre mundos, tem que se lhe diga. Ancorei-me no meu Porto o melhor e mais fundo que consegui… Investi tudo na casa dos meus sonhos por ser a casa da minha querida avó, comecei um negócio para espreitar outros mundos fora da medicina ligados ao desporto, e perfilhei dois cães… Mais acorrentado era impossível. Mas não chegou, a vontade de continuar a voar era maior…

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Depois de já ter viajado por muitos países em África tenho a opinião convicta de que as capitais são feias e o resto é lindo. Todos os grandes centros urbanos dificilmente aparecem nos cartões postais. São poluídas, confusas, desprovidas de qualquer beleza arquitectónica e mesmo sendo ao pé do mar ou de um rio, nem aí nos deixam contemplar a natureza de forma alguma. As pessoas acompanham a “vibe” da cidade: stressadas, egoístas, sem alma e sem brilho, gananciosas e com vontade de crescer… assim como a cidade.

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Faltam-me conhecer algumas das capitais mais problemáticas do mundo, assim de repente estou a pensar em Juba e Mogadishu, mas arrisco-me a dizer que Bangui é a capital mais pobre, e mais subdesenvolvida do mundo no que à medicina diz respeito, quer em termos de infraestruturas, quer em termos de recursos humanos. Não há nada! O que faz com que as ONGs sejam praticamente as únicas estruturas de saúde em funcionamento com alguma qualidade e gratuitidade…

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Estava em Bangui há cerca de uma semana, ainda era tudo fresco e novidade para mim, quando todos recebemos a convocatória para as celebrações do Dia Internacional da Mulher, na sede dos Médicos Sem Fronteiras (MSF). Em primeira análise até me pareceu ridículo, que me tirassem uma tarde de trabalho para assistir não sei bem a quê. Meio contrariado, mas de cara alegre lá fui, mais que não seja pelo espírito de equipa que é fundamental…

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Todos as guerras têm uma coisa em comum: Quanto mais sabemos, menos compreendemos. E ao tentarmos compreender tudo em binómios vamos ter sempre a compreensão muito curta. Em comum tem também a alteração da normalidade e das expectativas… Quando se vive em altíssimos níveis de violência, esta passa a ser uma forma de vida… passa a ser normal, pois ter sentido crítico é algo que não interessa a nenhum senhor da guerra…

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A maternidade de Bangui era muito agitada. Partos e mais partos, crianças por todo o lado, e uma equipa de profissionais fantástica que estava à altura do enorme desafio a que nos propunhamos. Salvar as mães e se possível os bebés também. Eu passava o dia no meio de cesarianas, na formação contínua dos enfermeiros de Anestesia centro-africanos, na gestão clínica dos casos mais complicados e ainda preparava formações sobre os temas que me pareciam mais pertinentes dentro da minah área de conhecimentos, claro está.

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Eu gostava que compreendessem a dimensão do problema. Eu gostava que tivessem a noção da dimensão da desigualdade, da profundidade das carências… Comparassem aquilo que sabem do mundo, o que sabem da pobreza, o que sabem do sofrimento humano, com a visão que vos vou transmitir.

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Acho que é preciso uma certa coragem para escrever esta história, da mesma forma que será necessário alguma coragem para a ler. Isto é apenas uma história de muitas, do dia-a-dia de uma África que poucos imaginam que exista. É não é de um passado longínquo… é de ontem, de hoje, e infelizmente de amanhã…

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Chego ao fim de um dia bem longo. Depois de mais um dia calor intenso, em que já nem sei quantos litros de suor transpirei, sabe bem quando a temperatura começa a amenizar… Na lista da jornada mais uma infinidade de cesarianas, parturientes, crianças a chorar e por aí fora… É dia de reunião de toda a delegação dos Médicos Sem Fronteiras em Bangui.

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Fui para casa a digerir aquela granada. Explodiu com muita gente e explodiu com as minhas emoções num fim de tarde de uma intensidade sem igual… E perdido nos meus pensamentos dominavam-me os olhares assustados daquelas senhoras, que mereciam todo o meu empenho, todo o meu esforço para lhes deixar alguns dos meus saberes…

(…)

O aborto a meu ver é algo de difícil avaliação ética e moral. Eu sou a favor de todo o tipo de liberdades individuais até ao momento em que interferem com a liberdade de outro(s). E do ponto de vista científico tenho muita dificuldade em definir o momento em que duas células ao se juntarem são consideradas uma vida. E por isso resolvo este dilema interior numa teoria de mal menor.

(…)

A experiência africana é um mundo de descobertas e surpresas. E este coração africano que é a Rep. Centro-Africana simboliza bem o espectro de magia e aventuras com que nos deparamos. Soa a cliché, mas tudo é diferente. A cor da terra alaranjada, o céu límpido que nos desenha pores-do-sol de cores inimagináveis, os tons de verde, o sabor da fruta, a intensidade das tempestades… É uma experiência a 360º de cores, cheiros e sabores que nos fazem levitar em sensações completamente virgens, quase todas elas maravilhosas…

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Por vezes tenho dias muito maus. Há dias que bate uma saudade tão forte, tão forte que só me apetece chorar até desidratar. Saudades de casa, saudades da família, saudades dos amigos, saudades do meu Porto, saudades do amor perdido, saudades dos meus cães, saudades que asfixiam porque a distância vai muito para além dos quilómetros que nos distanciam…

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