República Democrática do Congo

Também conhecido como Ex-Zaire ou Congo-Kinshasa ou Congo-Belga.

Há algo português em quase todos os países Africanos. O nome Zaire veio dos portugueses que mal pronunciavam “Nzere”, que quer dizer rio. Rio este que é a espinha dorsal do território, e é pleno de vida em toda a sua extensão, sendo que é o segundo com mais água do mundo e o mais profundo de todos os rios.

Foi também com o reino do Congo que os portugueses começaram todo o seu gigante e desumano tráfico de escravos de África para as Américas (séc. XV).

A RDC é o segundo maior país de África (depois da Argélia), mas o maior da África negra e tem tido uma história marcada por atrocidades, com cerca de 80 milhões de pessoas é o 16º mais populoso do mundo, e o 1º entre os países francófonos. Ocupa o 10º lugar entre os países menos desenvolvidos.

Durante décadas gerido como propriedade privada do rei Leopoldo da Bélgica, que também deixou a sua marca de crueldade, exploração e total desumanidade, pela quantidade de gente que matou e mutilou apenas para levar para a Europa todas as riquezas que conseguia, principalmente o caucho para a borracha.

Em 1960 a RDC torna-se independente e o irreverente e revolucionário Patrice Mbumba torna-se o Primeiro Ministro eleito, mas bem cedo é assassinado pela mão dos Americanos e dos Belgas por ter ligações à União Soviética, para dar lugar a Mobutu.

Mobutu (1965-97) é um bom exemplo do pior que um ditador Africano pode ser: extravagante, ganancioso, centrado na sua imagem, corrupto e desprovido de interesse em geral pelo povo que representa.

O momento em que o Congo fez correr mais tinta pelo mundo, foi quando em 1974 promoveu aquele que é visto como o maior evento desportivo do século XX, o “The Rumble in the Jungle”, que pôs frente a frente num ringue de Boxe em Kinshasa, George Foreman e o lendário Muhammad Ali, que aí reconquistou o mundo.

Em 1994 o genocídio do Ruanda, em 3 meses matou 1 milhão de Tutsis. Quando a comunidade internacional perseguiu os Hutus culpados pela chacina, estes fugiram para as montanhas indomáveis do leste do Congo.

Em 1996, o Ruanda decidiu invadir o Congo com o apoio do Uganda para derrubar Mobutu, que fugiu para exílio em 1997, na chamada 1a guerra do Congo.

Em 1998 o pequeno Ruanda volta a liderar uma invasão ao gigante Congo, e dado o envolvimento de 9 países africanos, esta fica conhecida como a Guerra Mundial Africana, que oficialmente termina em 2003, mas infelizmente sabemos que dura até hoje.

Hoje chamamos-lhe a Guerra do Leste do Congo ou Conflito do Kivu, que é uma mistura ainda das facções Tutsi e Hutus do Ruanda que estenderam as suas matanças para o Congo, o LRA de Joseph Kony do Uganda, de um Exército Congolês incapaz, vários grupos armados com agendas regionais e as Forças de Paz das Nações Unidas, que aqui abriram uma excepção ao tomar um dos lados (o do exército Congolês) ainda que sem grande sucesso.

Ouro, Diamantes e Cobre, mas acima de tudo os minerais raros Coltano e Cassiterite essenciais para telemóveis, computadores, etc. alimentam este conflito há décadas.

Talvez o Congo seja grande demais para ser governado, pela sua capital Kinshasa que fica demasiado longe de demasiados pontos do país. Em particular do leste do Congo onde o conflito se desenrola desde pelo menos 1994, com mais de 5 milhões de mortos, sem fim à vista.

Começo aqui a contar-vos a primeira história de muitas que poderiam ser contadas sobre a minha estadia no Congo, em que trabalhei como médico anestesista para os Médicos Sem Fronteiras, numa região chamada Norte Kivu, na cidade de Masisi, perto da fronteira com o Ruanda, região esta muito complicada, pois tem sido inocentemente castigada por uma guerra terrível, que teima em não parar e que terá já morto nos últimos 15 anos cerca de 5 milhões de pessoas…

(…)

O meu dia a dia em Masisi, era basicamente casa-hospital, hospital-casa. Uma distância de 300 metros delimitava o meu mundo, e de uma certa forma sentia-me encurralado numa espécie de prisão. Não tinha tempo, nem podia ir a lado nenhum. E as poucas vezes que fui ao centro da cidade, nada havia para ver ou fazer… e assim passava os meus dias imaginado todo um Congo fantástico à minha volta, mas não ao meu alcance.

(…)

Vou-vos contar uma história sobre um miúdo que foi o melhor amigo por uns tempos. Para além do facto termos criado uma conexão e amizade muito forte, houve momentos em que vi nas suas atitudes algo que me fez acreditar que ele era especial.

(…)

Provavelmente todos sabemos que as mulheres não são tratadas como iguais em diversas partes do mundo, provavelmente também sabemos que quanto mais subdesenvolvido for o país, mais vemos discriminação feminina… E também saberão que em todas as guerras, enquanto uns lutam por território e dinheiro, são as mulheres e as crianças que mais sofrem…

(…)

Muitas vezes, seria para mim muito mais fácil expressar-me em Português, e no que diz respeito a esta história, à forma como a vivi e os sentimentos envolvidos, a minha língua materna tornaria de certeza a história mais interessante… Mas eu sou ambicioso no que toca a espalhar estas mensagens sobre África… e também porque muitas pessoas com as quais eu gostaria de partilhar esta história, não percebem a língua de Camões… por exemplo o meu bom amigo Yaroslav, o cirurgião que trabalhou comigo e com quem partilhei tantas emoções fortes, medos e esperanças… e que também nesta história tem um papel importante…

(…)

Para acabar esta história vou vos falar sobre aquele que realmente roubou o meu coração, que me fez sorrir mais vezes e que sem dúvida é de quem tenho mais saudades, mais de 1 ano depois de ter saído do Congo.

Dorika, meu querido Dorika.

Eu acho que ele tinha 5 anos e fazia parte do Clube que “vivia” no serviço de Cirurgia… Ali estava porque o seu pai era um daqueles doentes de longa duração… Umas semanas após ter chegado a Masisi, o meu chefe pediu para falar comigo em privado… para explicar alguns factos importantes sobre um doente que iria chegar, que era “inimigo” do exército Congolês… Chamava-se Sikito (o pai do Dorika) e era Ruandês, um dos soldados do FDLR…

(…)

Bruxelas — 2009

Lembro-me como se fosse hoje, foi muito forte, muito intenso. Apanhei o táxi mais cedo para o aeroporto, para poupar dinheiro e aproveitar o voucher de um rapaz que estava comigo na “pensão super rasca”, e quando finalmente tive uns momentos para pensar sentei-me em frente a um computador no aeroporto de Bruxelas, e escrevi de rajada estas palavras que revivo hoje e vos deixo aqui, enquanto chorava baba e ranho….. Sempre foi esse o meu estilo, gosto de dizer o que sinto, mas muitas vezes é difícil fazê-lo em pessoa por vários motivos e como tal, este email que escrevi à família e amigos, é como de quem sai sem querer acordar e deixa um bilhete por baixo da porta!

(…)

Foi num Domingo à tarde… muito poucas vezes tinha um Domingo livre para relaxar… era mesmo assim… não havia mais ninguém para fazer o meu trabalho… e tínhamos que estar prontos para quando fosse necessário…

Sou chamado pelo rádio com a informação que acabam de chegar ao hospital feridos de guerra… Era frequente aos domingos… Demasiadas Kalashnikovs… Os militares embebedavam-se e por uma razão estúpida qualquer começavam aos tiros…

(…)

(continuando) ….

Ali estava eu dentro do carro, a viver o sonho… com uma mistura explosiva de medo e excitamento por passar fronteiras que quase ninguém passa… O Phillipe fez-me sorrir e descontrair, mas ao olhar pela janela a minha mente viajava por milhões de pensamentos…

(…)

Eu estou longe e com as emoções à flor da pele neste momento, e talvez por isso decidi escrever uma das histórias, mais intensas, difíceis de partilhar e dolorosas da minha missão no Congo.

Eu decidi escrever estas histórias para que de alguma forma se tornem imortais, porque não as quero esquecer e não quero que as pessoas esqueçam a dura realidade de alguns locais do nosso planeta… Eu quero que a minha voz insignificante chegue ao maior número de pessoas possível, e poder contar como a vida pode ser tão injusta para alguns, e o quão importante é saber do que se passa nesta realidade tão distante de nós…

(…)

Já passou um ano desde que soltei as amarras em Portugal para ir para o Congo, com a mochila cheia de sonhos, medos e questões… nada sabendo sobre o que me esperava do outro lado da minha viagem… E agora estou de volta… de volta à minha vida tentando não esquecer as emoções que me dominaram na minha missão no Congo… A minha vida continua como se nada tivesse acontecido… mas há outra coisa que também continua… a guerra no Congo! Nem uma, nem apenas uma vez eu ouvi falar sobre a pior guerra do mundo desde que cheguei…

(…)

Quando eu era pequenino e a minha mãe me via a brincar com um grupo (3 seria suficiente)… ela costumava dizer algo do género: “que clube tão fantástico!” … e era exactamente isso que eu tinha no Hospital de Masisi, um clube fantástico… Nem sempre era o mesmo, alguns entravam outros saiam ao sabor das admissões e altas do hospital…

(…)

Já foi há mais de 1 ano, mas ainda feliz por escrever sobre aquilo que vi, que vivi e que senti… O porque é que escrevo? Penso que a maior razão é ajudar quem precisa… Também é verdade que escrevo porque me faz sentir bem, e me ajuda a aliviar alguma da pressão que por vezes parece que me vai comer por dentro… Pressão causada pelo facto de que a vida é mesmo muito dura para alguns, e nós simplesmente não queremos saber! O mundo nunca será perfeito para todos, e todos sabemos isso, mas quando alguns estão preocupados apenas em comprar um novo BMW e outros que todos os dias lutam pela vida, é demasiado… A dor física de levar um tiro, o trauma psicológico de ser violado ou ver as suas crianças a morrer à fome… E tudo isto porque não sabemos ou não nos importamos ou uma mistura de ambos… Até que ponto é que somos egoístas?

(…)

Já no Congo, província de Norte Kivu, Masisi. Algures ainda muito fresquinho, no início da minha temporada no Congo. Nesta altura era tão difícil, lidar com as emoções que tentava não o fazer. Escrever, era sinónimo de lágrimas, e esta foi das poucas vezes que o fiz, e apesar de quase não dizer NADA, custou-me imenso. A inexperiência que revelo, mostra uma ingenuidade da qual tenho muitas saudades…. Até mentia, para não dizer o que estava a sentir! Agora bem ao longe no tempo e no espaço, recordo com muito carinho, este email geral, que foi quase uma excepção à regra. Bons tempos. Saudades! Algures em Julho de 2009.

(…)

Começo aqui a contar-vos a primeira história de muitas que poderiam ser contadas sobre a minha estadia no Congo, em que trabalhei como médico anestesista para os Médicos Sem Fronteiras, numa região chamada Norte Kivu, na cidade de Masisi, perto da fronteira com o Ruanda, região esta muito complicada, pois tem sido inocentemente castigada por uma guerra terrível, que teima em não parar e que terá já morto nos últimos 15 anos cerca de 5 milhões de pessoas…

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Foi num Domingo à tarde… muito poucas vezes tinha um Domingo livre para relaxar… era mesmo assim… não havia mais ninguém para fazer o meu trabalho… e tínhamos que estar prontos para quando fosse necessário…

Sou chamado pelo rádio com a informação que acabam de chegar ao hospital feridos de guerra… Era frequente aos domingos… Demasiadas Kalashnikovs… Os militares embebedavam-se e por uma razão estúpida qualquer começavam aos tiros…

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O meu dia a dia em Masisi, era basicamente casa-hospital, hospital-casa. Uma distância de 300 metros delimitava o meu mundo, e de uma certa forma sentia-me encurralado numa espécie de prisão. Não tinha tempo, nem podia ir a lado nenhum. E as poucas vezes que fui ao centro da cidade, nada havia para ver ou fazer… e assim passava os meus dias imaginado todo um Congo fantástico à minha volta, mas não ao meu alcance.

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(continuando) ….

Ali estava eu dentro do carro, a viver o sonho… com uma mistura explosiva de medo e excitamento por passar fronteiras que quase ninguém passa… O Phillipe fez-me sorrir e descontrair, mas ao olhar pela janela a minha mente viajava por milhões de pensamentos…

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Vou-vos contar uma história sobre um miúdo que foi o melhor amigo por uns tempos. Para além do facto termos criado uma conexão e amizade muito forte, houve momentos em que vi nas suas atitudes algo que me fez acreditar que ele era especial.

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Eu estou longe e com as emoções à flor da pele neste momento, e talvez por isso decidi escrever uma das histórias, mais intensas, difíceis de partilhar e dolorosas da minha missão no Congo.

Eu decidi escrever estas histórias para que de alguma forma se tornem imortais, porque não as quero esquecer e não quero que as pessoas esqueçam a dura realidade de alguns locais do nosso planeta… Eu quero que a minha voz insignificante chegue ao maior número de pessoas possível, e poder contar como a vida pode ser tão injusta para alguns, e o quão importante é saber do que se passa nesta realidade tão distante de nós…

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Provavelmente todos sabemos que as mulheres não são tratadas como iguais em diversas partes do mundo, provavelmente também sabemos que quanto mais subdesenvolvido for o país, mais vemos discriminação feminina… E também saberão que em todas as guerras, enquanto uns lutam por território e dinheiro, são as mulheres e as crianças que mais sofrem…

(…)

Já passou um ano desde que soltei as amarras em Portugal para ir para o Congo, com a mochila cheia de sonhos, medos e questões… nada sabendo sobre o que me esperava do outro lado da minha viagem… E agora estou de volta… de volta à minha vida tentando não esquecer as emoções que me dominaram na minha missão no Congo… A minha vida continua como se nada tivesse acontecido… mas há outra coisa que também continua… a guerra no Congo! Nem uma, nem apenas uma vez eu ouvi falar sobre a pior guerra do mundo desde que cheguei…

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Muitas vezes, seria para mim muito mais fácil expressar-me em Português, e no que diz respeito a esta história, à forma como a vivi e os sentimentos envolvidos, a minha língua materna tornaria de certeza a história mais interessante… Mas eu sou ambicioso no que toca a espalhar estas mensagens sobre África… e também porque muitas pessoas com as quais eu gostaria de partilhar esta história, não percebem a língua de Camões… por exemplo o meu bom amigo Yaroslav, o cirurgião que trabalhou comigo e com quem partilhei tantas emoções fortes, medos e esperanças… e que também nesta história tem um papel importante…

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Quando eu era pequenino e a minha mãe me via a brincar com um grupo (3 seria suficiente)… ela costumava dizer algo do género: “que clube tão fantástico!” … e era exactamente isso que eu tinha no Hospital de Masisi, um clube fantástico… Nem sempre era o mesmo, alguns entravam outros saiam ao sabor das admissões e altas do hospital…

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Para acabar esta história vou vos falar sobre aquele que realmente roubou o meu coração, que me fez sorrir mais vezes e que sem dúvida é de quem tenho mais saudades, mais de 1 ano depois de ter saído do Congo.

Dorika, meu querido Dorika.

Eu acho que ele tinha 5 anos e fazia parte do Clube que “vivia” no serviço de Cirurgia… Ali estava porque o seu pai era um daqueles doentes de longa duração… Umas semanas após ter chegado a Masisi, o meu chefe pediu para falar comigo em privado… para explicar alguns factos importantes sobre um doente que iria chegar, que era “inimigo” do exército Congolês… Chamava-se Sikito (o pai do Dorika) e era Ruandês, um dos soldados do FDLR…

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Já foi há mais de 1 ano, mas ainda feliz por escrever sobre aquilo que vi, que vivi e que senti… O porque é que escrevo? Penso que a maior razão é ajudar quem precisa… Também é verdade que escrevo porque me faz sentir bem, e me ajuda a aliviar alguma da pressão que por vezes parece que me vai comer por dentro… Pressão causada pelo facto de que a vida é mesmo muito dura para alguns, e nós simplesmente não queremos saber! O mundo nunca será perfeito para todos, e todos sabemos isso, mas quando alguns estão preocupados apenas em comprar um novo BMW e outros que todos os dias lutam pela vida, é demasiado… A dor física de levar um tiro, o trauma psicológico de ser violado ou ver as suas crianças a morrer à fome… E tudo isto porque não sabemos ou não nos importamos ou uma mistura de ambos… Até que ponto é que somos egoístas?

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Bruxelas — 2009

Lembro-me como se fosse hoje, foi muito forte, muito intenso. Apanhei o táxi mais cedo para o aeroporto, para poupar dinheiro e aproveitar o voucher de um rapaz que estava comigo na “pensão super rasca”, e quando finalmente tive uns momentos para pensar sentei-me em frente a um computador no aeroporto de Bruxelas, e escrevi de rajada estas palavras que revivo hoje e vos deixo aqui, enquanto chorava baba e ranho….. Sempre foi esse o meu estilo, gosto de dizer o que sinto, mas muitas vezes é difícil fazê-lo em pessoa por vários motivos e como tal, este email que escrevi à família e amigos, é como de quem sai sem querer acordar e deixa um bilhete por baixo da porta!

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Já no Congo, província de Norte Kivu, Masisi. Algures ainda muito fresquinho, no início da minha temporada no Congo. Nesta altura era tão difícil, lidar com as emoções que tentava não o fazer. Escrever, era sinónimo de lágrimas, e esta foi das poucas vezes que o fiz, e apesar de quase não dizer NADA, custou-me imenso. A inexperiência que revelo, mostra uma ingenuidade da qual tenho muitas saudades…. Até mentia, para não dizer o que estava a sentir! Agora bem ao longe no tempo e no espaço, recordo com muito carinho, este email geral, que foi quase uma excepção à regra. Bons tempos. Saudades! Algures em Julho de 2009.

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