Quem é que nunca pensou em desistir? Nós estamos a lutar em demasiadas frentes e estamos cada vez mais sozinhos. “Nós” os profissionais de saúde, “nós” os que cumprimos as regras definidas para o bem comum, “nós” que percebemos que temos que saber perder para depois ganhar. Ganhar em humanidade, ganhar em vidas, ganhar em espírito de comunidade e civismo. Ganhar em empatia, em bondade e em caracter, sustentados na premissa mais simples que temos na vida, mas que nos enche o peito de medalhas de honra: “fazer a coisa certa”.
A nossa inteligência colectiva leva-nos para lados muito estranhos, como acreditar que a Terra é plana, mas no geral tem-nos levado para compreensões sólidas sobre os fenómenos mais destruidores da natureza. Compreendemos os vulcões, os terramotos e os tsunamis, os tornados, tufões e furacões. Compreendemos a composição de um átomo e a existência de galáxias. Compreendemos o aquecimento global, as suas consequências e a sua dinâmica projectada num futuro próximo. Compreendemos tudo isso, mas não conseguimos compreender a dinâmica de um vírus. Ninguém discute com um vulcão, mas querem discutir com um vírus.
A ciência tem-nos dado tanta protecção e tantos confortos, que lhe exigimos de imediato, literalmente qualquer coisa que nos tire deste pesadelo: ventiladores, medicamentos, vacinas ou algo que nos permita seguir a nossa vida como a conhecíamos. Mas neste momento, o que a ciência nos diz é que a única forma de os hospitais não colapsarem, é diminuir os contactos entre pessoas. O que está a falhar é o BÁSICO, é a compreensão elementar de que cada contacto que temos estamos a aumentar exponencialmente o descontrolo desta catástrofe silenciosa. Isto é triste? É muito triste, e as consequências colaterais são tenebrosas, mas não o fazer é bem pior como comprova a compreensão de todos os países do mundo.
Ainda temos que explicar o básico. E temos que explicar que as pessoas que tratam de todos nós estão exaustas, e estão a quebrar. Estão a lutar em demasiadas frentes. Estão ao sofrer as tristezas, como todos os outros, da falta de afectos, diversão e alegrias. Estão sob a pressão de evitar a todo o custo ficar infectado ou fazer quarentenas para não ficar fora de jogo e sobrecarregar os companheiros. Estão a sofrer uma intensidade de trabalho e emoções sem paralelo. Estão obrigados a explicar às pessoas que embora cá fora o mundo pareça normal, dentro das paredes dos hospitais estamos a travar uma luta contra a natureza, desleal. Estamos exaustos, tristes e sós. Estamos muitas vezes com vontade de desistir. Muitas vezes. Mas nunca o vamos fazer. Nunca nos vamos render, porque há doentes e há uma equipa.
Há doentes a morrer, sem que saibam como é que foram infectados, e precisam de ser tratados. E há uma equipa que cuida dos doentes que precisa de ser cuidada. E é por esses que não vamos desistir. É por esses que vamos à luta contra tudo e contra todos até cair para o lado, por saber que esta é a “coisa certa” a se fazer.
Há muita vontade em desistir, mas há os doentes e há uma equipa para cuidar. A equipa que sempre cuidou de nós e sempre cuidou de todos.
Há os doentes e há uma equipa. Até cair para o lado.