7. Mulheres sem nome (1)

Eu nunca tive propriamente um plano. Apenas senti, depois de ter estado no leste do Congo, uma vontade enorme de partilhar, com quantos conseguir, a dura realidade que tantas pessoas enfrentam e que os media teimam em não querer saber… Haveria um milhão de coisas mais a dizer sobre o Congo, e certamente mais ainda por outras pessoas que sabem muito mais do que eu… mas posso dizer que me sinto realizado por conseguir que a minha voz insignificante seja mais uma a apontar o dedo a assuntos cruciais dos nossos dias, como a guerra, a violência sexual, a fome e tantas doenças esquecidas pelo Ocidente porque não nos “tocam”…

Mostrar umas fotos, e contar algumas partes de histórias muito verdadeiras pareceu-me uma boa estratégia para abrir os olhos de todos para que… transformemos o nosso mundo, num mundo melhor.

E agora o Paquistão… Eu tentei escrever quando lá cheguei, mas por diferentes motivos parei… até agora. A falta de tempo será provavelmente a minha melhor desculpa, no meio de muitas outras… Enquanto lá estava as emoções eram demasiado fortes, assim como aconteceu no Congo, era muito duro estar a digerir tudo o que se estava a passar à minha volta… Quando lá estou tento apenas concentrar-me na missão de salvar vidas e tento deixar as minhas emoções em standby para lidar com elas mais tarde… Dias extremamente ocupados, muitas vezes com noites também duríssimas… E, para acabar a minha lista de desculpas, as regras de segurança desencorajam as partilhas na internet de tudo o que toque em assuntos sensíveis como religião, cultura ou política daquela região do Paquistão… E, como compreendem, é impossível escrever uma palavra sem entrar em algum, ou todos, desses temas… E percebo e respeito que trabalhando para os MSF, de alguma forma as minhas palavras podem ser tidas como representativas dos MSF…. e claro que não são. São apenas as minhas visões pessoais.

Mas aqui estou, a tentar fazer aquilo que me parece ser a coisa certa a fazer… escrevendo sobre o que senti ao viver numa das zonas mais controversas do planeta nos últimos 10 anos… Há muito a dizer e eu nem sei bem por onde começar… 

Uma pequena súmula sobre o local onde vivi e trabalhei. O Paquistão, como muitos outros países no mundo, tem uma história muito recente e, como tal, uma identidade nacional polémica e instável… Culturas completamente diferentes e línguas totalmente diferentes foram unidas por uma religião (à excepção de pequeníssimas minorias)…. o Islão. E, assim, não é difícil de compreender os marcos mais importantes deste jovem país para compreender a sua diversidade e complexidade. Eu estive a trabalhar na província do Noroeste ou KPK, a norte de Peshawar e muito perto da fronteira com o Afeganistão, nas terras de um grande grupo étnico, os Pashtun… estes sim, com uma longa e rica tradição em termos de identidade, língua, cultura e história que muito os orgulha… A terra dos Pashtun, foi dividida pela fronteira Afeganistão-Paquistão, pelo Império Britânico e, como muitas outras vezes na História, os Europeus criaram divisões falsas e uniões falsas a seu bel-prazer com consequências históricas.

Para resumir uma longa história, esta zona é oficialmente controlada pelo governo Paquistanês, mas com um estatuto especial e oficialmente considerada uma zona de guerra, devido aos inúmeros ataques contra o governo Paquistanês. É uma zona muito conservadora e de onde se diz ser a maior fonte de extremistas islâmicos do mundo…

Eu queria falar sobre assuntos médicos o quanto antes, mas preciso de partilhar a minha opinião sobre estes assuntos complicados… apenas porque acho de extrema importância que todos nós pensemos duas vezes antes de ter uma opinião “da boca para fora” sobre uma problemática que divide o mundo e que tem matado tanta gente diariamente… Eu tive uma educação católica, mas já há muitos anos que me fui transformando em ateu… E por isso olho para todas as religiões da mesma forma. O problema não é o Islão! Parece-me tão óbvio que nem deveria ter de ser dito, mas como há tantos que pensam o contrário, acho importante que se reforce esta ideia!

O Islão tem nos seus pilares fundamentais a paz e o respeito pelo ser humano, e todos os que confundem e tomam a parte pelo todo, ao julgar todos os muçulmanos pelos actos desumanos de alguns loucos, que são uma pequeníssima minoria, que dizem eles ser em nome do Islão… Lembrem-se que a cobertura dos media é apenas sobre os horrores que vendem… As pessoas normais não são notícia, aqueles que são 99,9% que apenas querem viver em paz e amor com as suas famílias como todos nós… no Paquistão, no Afeganistão, Iraque, etc, etc… e detestam os seus compatriotas que usam o nome do seu país e a religião para justificar a injustificável violência que a todos nos aterroriza…

Do meu ponto de vista… é uma questão cultural, e política, com desculpas nas interpretações que serão sempre infinitas de cada religião… Naquela região do Paquistão, sempre deu jeito aos líderes paquistaneses das décadas mais recentes usar a seu bel-prazer as crenças fundamentalistas para controlar uma área remota do seu país que sempre foi um desafio para controlar, e com lavagens cerebrais de interpretações extremistas do Islão, e depois chamando a si a voz oficial do Islão, tudo se tornava mais fácil de controlar, levando a população a fazer o que eles bem entendiam sem que o povo analfabeto se questionasse… Solução? Tolerância, respeito… e acima de tudo… Educação! Livros e professores resolveriam os problemas nesta região onde os níveis de educação são dos mais baixos do mundo, principalmente para as mulheres… Uma vez mais, não é o Islão que discrimina as mulheres; são algumas culturas que promovem que as mulheres não devem ser instruídas, nem ser vistas como seres humanos ao mesmo nível que os homens…

E é aqui, e sobre as mulheres, que as minhas histórias no terreno começam…

Mulheres que para mim não tinham nome, nomes de que eu não me lembro, nomes que eu não consigo pronunciar… mas que mudaram a minha vida para sempre…

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